21/04/2022
Gabriel Konzen
5 de maio de 2022
Essa viagem já começou com um acidente. Mas não nosso (: Feriado de Tiradentes, carnaval atrasado no Rio, e às 5h30, no momento em que Gustavo Diniz e Marcos Dias passaram aqui em casa para me pegar, caiu um mototaxi com um gringo. Enfim, ajudamos como pudemos e zarpamos rumo ao interior de Minas. A previsão do tempo estava ótima.
O plano
Dia 1: dirigir por por 7h até Morro da Água Quente e dali imediatamente começar a trilha para ganhar altura no Baiano. Bivaque.
Dia 2: escalar a Obra do Acaso (645m), descer até a cidade e dormir no Refúgio do Caverna.
Dia 3: descansar e dirigir até o Canela de Ema Adventure Park (1h de distância).
Dia 4: escalar a Clandestino de manhã (sombra) e dirigir de volta ao Rio (8h).
Neste relato está somente a primeira escalada. A Clandestino fica para outro post.
Obra do Acaso
Aproximação e bivaque
Partimos com as mochilas cargueiras prontas e começamos a caminhada 14h30. Utilizamos o tracklog do Leone (do wikiloc) para nos orientar e foi muito útil. Esse caminho segue por fora da área da mineradora, e pela informação que tivemos no Refúgio do Caverna, esse acesso está liberado, sem problemas. No início, após cruzar o trilho de trem, deve-se subir uma encosta meio fechada, depois descer um pouco, atravessar o rio e subir o barranco para a esquerda. Assim, logo se encontra uma trilha aberta e plana para continuar.
No tracklog há os pontos de água marcados e estavam corretos. O último bivaque marcado permite se abrigar sob a rocha. No entanto, esse ponto ainda está cerca de 1h da base da via. Assim, decidimos subir um pouco mais onde o Leone postou uma foto com uma barraca. Chegamos 17h30. Esse local é um pequeno descampado, sem água, que cabem cerca de 3 ou 4 pessoas. Era o suficiente para nossa noite. Montei uma cobertura com uma lona, estendemos os isolantes e já começamos a preparar o jantar.
No meio da madrugada, já começamos a ouvir o barulho dos caminhões trabalhando nas minas próximas. Esse barulho iria nos acompanhar ao longo de todo o dia seguinte durante a escalada.
Começamos a aproximação para a base às 6h30 e chegamos na base às 7h. Neste trecho o tracklog não ajuda muito pois há caminhos próximos paralelos. Na ida até erramos um pouco, mas seguimos margeando a parede até encontrar a base, que estava com um barril azul. Ali descobrimos que a base seria um bom lugar para bivaque. No entanto, fazer esse último trecho com mochila pesada seria bastante cansativo.
Sinal de celular da Vivo pega bem no caminho e na escalada.
A escalada
A escalada exige um bom psicológico e tem lances técnicos delicados em várias enfiadas. Esses lances são bem isolados e com proteção próxima, de modo geral. No entanto, apesar de a proteção ser próxima, há vários platôs que podem machucar em caso de queda. O estilo da escalada é em agarras com algumas passadas em aderência. O quartzito, especialmente numas partes esbranquiçadas, tem baixa aderência, então cuidado. As proteções são todas chapeletas, que estão escuras, meio enferrujadas, mas parecem boas.
Eu estava planejando essa escalada há uns dois meses. O tempo de sobra se traduziu em ansiedade. Quanto mais informação sobre a via, mais tempo pensando no que poderia dar errado, nos meus pontos fracos, riscos, etc.
Ao menos utilizei o receio para me preparar um pouco antes de ir. Fiz algumas caminhadas com mochila pesada para não sofrer na aproximação. Em relação à escalada em aderência, fiz a Invasões Bárbaras com o Diniz uns dias antes (ele guiando a maioria), o que deu certa confiança. Ainda assim, diante da exposição e dos lances em aderência (ou baixa aderência), não estava muito seguro de guiar. No entanto, na ansiedade de começar, decidi assumir a primeira enfiada. Tem um VI grau bem definido no início, depois fica fácil, mas só 3 proteções em 60m.
Depois quem assumiu foi o Diniz. Guiou a segunda (tranquila), depois na terceira tem um lance de cliff de buraco. Um cliff e um estribo já são suficientes para todos. Diniz guiou e deixou pendurado para nós. No entanto, depois do cliff há um lance em livre que dá trabalho também. A quarta enfiada acho que é toda em agarras, sem dificuldades.
Na quinta enfiada quem assumiu foi o Marcos. O crux é uma horizontal em agarras. Marcos fez estilo Van Damme, mas eu e Diniz subimos um pouco mais e passamos aos poucos. No final dessa enfiada tem uma passada de aderência que exige atenção.
A sexta enfiada também foi do Marcos. Começa com uma aderência. Acho que nessa enfiada (ou na oitava), eu evitei uma diagonal para a esquerda em aderência, seguindo uma linha bem natural para a direita e depois voltando (tipo III grau, bem tranquilo). O VI grau nessa enfiada é mais constante, são algumas passadas.
A sétima enfiada foi o Diniz quem guiou. Tem um VI na saída, antes do primeiro grampo, mas é tranquilo e a proteção é próxima.
A oitava foi guiada pelo Marcos. É o crux mais difícil da via. Um diedrinho em oposição, com pé chapado na aderência. Marquinhos mandou muito bem.
Eu guiei a nona, bem vertical, com lances em agarra e domínio. Bem protegida (até destoa do restante da via). A décima também foi minha, com lances bonitos numas canaletas. Até possível colocar uns móveis #1 e #2 ali.
No final, cada um guiou uma das três últimas. Apesar de não ter proteções, são bem fáceis.
Fizemos cume umas 14h.
Rapel obrigatório com corda dupla, chegando na base às 16h30.
Retornamos até o bivaque, pegamos todas as coisas, e iniciamos o retorno. A trilha à noite fica até mais fácil de localizar, pois há fitas luminosas pelo caminho.
Chegamos na cidade às 19h e fomos para o Refúgio do Caverna, que bem próximo. Na cidade não pegava celular, então encontramos o local do jeito tradicional: perguntando aos moradores. O refúgio é bem bom, com boa infraestrutura e vista linda para a parede. Na cidade não encontramos lugar para jantar então fomos até Catas Altas (5 km) para repor a energia gasta.
Missão cumprida. Só tenho a agradecer aos parceiros Marquinhos e Diniz pela companhia e por assumir as enfiadas mais sinistras.
Clássica n° 40/50 da minha lista. Contagem regressiva agora!
Informações adicionais
Eu levei 2 litros de água na escalada + 0,5 para a trilha de ataque e foi suficiente. Na base, às 7h, pegando sol, fazia calor, mas na via pode fazer frio. Sentimos isso quando pegamos um pouco de vento. Sorte que parou. Como garantia, talvez valha levar, além no anorak, uma segunda pele caso o tempo esteja mais instável.
Algumas pessoas optam por fazer a via num dia só, mas para quem nunca fui, recomendo bivacar. A gente se perdeu um pouco no início da trilha, então pode acontecer de se perder tempo para encontrar o caminho certo, o que pode prejudicar a hora de início da escalada. Adicionalmente, há a questão do cansaço, de se fazer uma aproximação longa, 650m de escalada, rapel e caminhada de volta. O Caverna comentou que quem faz em 1 dia chega bem acabado no abrigo.
Vídeo resumo
Abaixo um vídeo feito pelo Gustavo Diniz que ilustra a beleza dessa escalada.