RESPONSÁVEL
DATA DA ATIVIDADE

27/04/2024

RELATO POR

Rodrigo Rodrigues da Silva

PUBLICADO EM

4 de maio de 2024

CATEGORIA

O Paredão C-100 é uma daquelas vias míticas que habitam meu imaginário desde que entrei para o CEC – impossível negar que o clube seja cheio delas. Não me lembro bem quando foi a primeira vez que ouvi falar dessa via: uma palestra, a linha do tempo na parede da sede, os croquis pendurados na barraquinha da ATM, alguma conversa na reunião social, uma mistura de tudo isso.

Naturalmente, por muito tempo ela pareceu-me intangível. Começando pela base, impossível de se achar, garantiram experts de orientação em montanha do CEC; a proteção, longa, cinquentenária e composta basicamente pelos élficos grampos de progressão Stubai, no caso ainda utilizados para proteger um bom punhado de lances em livre; e culminando com a própria conquista, de 1972, até hoje considerada arrojada, levada a cabo por escaladores que certamente foram picados por algum réptil radioativo.

Vamos então ao histórico mais recente. Com a proximidade do cinquentenário da via, a diretoria da época resolveu dedicar as chapeletas Pingo de inox 316 que recebemos da FEEMERJ para a sua reforma. O racional: se a via é, ao mesmo tempo, de difícil acesso, desafiadora e importante para a história do clube e do montanhismo fluminense, nada mais sensato que usar o que temos de melhor à disposição. Em 2021, eu e Alexandre Ferreira tentamos iniciar a reforma, mas decidimos retornar a 30m da base depois de 4h de caminhada por trilhas inexistentes e uma chuva não prevista. Em 2023, Miguel Monteza e Raphael Santiago trocaram boa parte das proteções até um pouco depois da P4.

A via continuou habitando minha mente, e, conforme outros projetos iam sendo realizados, ela tornava-se, aos poucos, tangível. Em março de 2024, Miguel e Cadu me convidaram para repetir a via Lugar ao Sol, conquistada por eles mais recentemente na face Leste da Pedra da Gávea, a mesma do C-100. Chamei o Luis Avellar, parceiro de diversos projetos pós-pandêmicos, para completar a cordada comigo, mas, infelizmente, choveu no dia e eu não pude ir quando os demais remarcaram. Luis trouxe boas notícias sobre a qualidade da parede e a aproximação “facilitada” e um convite para voltar lá. Botei o C-100 na mesa; estava então plantada e regada a ideia.

Mais uma semana, eu e Luis fomos repetir a Sal da Terra e chegamos escalando à base das vias da Face Leste. Gastamos uma meia hora margeando a parede e tentando reconhecer as suas vias, clássicas e um pouco esquecidas. Já eram 17h quando localizamos o Pr. C-100. Não resistimos: escalamos até a P1 e descemos. Voltamos rapelando pela Sal da Terra e caminhando pela sua trilha chegamos rapidamente à Estrada do Joá.

Mais umas 2 semanas e voltamos. Começamos por volta das 13h no Hortifruti do Joá para pegar a parede já na sombra. Dessa vez, decidimos caminhar direto até a base do C-100. A orientação foi trabalhosa em alguns pontos da aproximação, mas ainda assim chegamos à parede em menos de 1h30. Começamos a escalar às 15h. 18h30 estávamos na P5 e até bem iluminados pela lua cheia. Decidimos, sabiamente, descer. Chegamos de volta ao mercadinho umas 22h e já marcando o ataque final.

Enfim, no sábado, 27/04/24, realizamos o ataque definitivo. Repetimos os guias de cada enfiada da investida anterior, para agilizar. Isso foi fundamental para escalarmos rápido até a P5. Decidimos começar mais cedo, às 9h, para, mesmo pegando sol no início da escalada, fazer a segunda metade sem sol e terminar ainda com luz. Terminar a via… pois ainda teria a volta! Nos trechos a seguir descrevo a via em detalhes. Deixo esse registro como forma de documentação histórica, merecida por conta da beleza da via, e também como incentivo a quem queira repeti-la, sem deixar de ressaltar que é uma via tipicamente de serra dentro da cidade. Se você quiser manter o prazer de escalar essa via mais “no escuro”, sugiro pular para a linha do tempo ou para as considerações finais. Há também uma galeria de fotos no final da página.

 

C-100 5° VI D3E3 450m – Pedra da Gávea – Rio de Janeiro, RJ

Conquistada em 1972 por Heckel Capucci, Helton Perillo, Rodolfo Chermont e Rogério de Oliveira (CEC)

 

Geografia

Via localizada na Face Leste do maior monolito à beira mar do mundo. Sol até umas 15h (em abril), a pedra chega a queimar. A aproximação fica sempre protegida pela copa das árvores e a temperatura suportável, mesmo batendo sol.

 

Proteção

Até a P3 a grande maioria das proteções são em chapas Pingo de aço inox 316, porém os grampos antigos ainda não foram removidos. Entre P3 e P5 vai diminuindo a quantidade de proteções substituídas e há lances em livre protegidos em grampos de ¼ ou ⅜ em condições duvidosas, porém não são críticos. A partir da P6 não há mais proteções novas, porém não há nenhum grampo em situação decrépita, salvo um ou outro Stubai. A proteção é típica de vias de serra nos lances de aderência, mas os lances mais verticais são sempre bem protegidos. Não há quedas potenciais em platô, por exemplo. Mas é importante a cordada estar escalando solidamente 5° grau pois há lances delicados bem longos, inclusive nos esticões finais, em que o cansaço faz um 3°sup virar 5°.

 

Aproximação

A aproximação está toda sinalizada por fitas laranja colocadas recentemente (no momento desta excursão) por Miguel e Cadu e totens de pedra, porém a navegação é difícil e exige atenção. Nem sempre a próxima marcação é visível. É uma trilha para ser apreciada através do silêncio. O chilrear dos pássaros, a ausência dos gritos humanos, o pisar destrambelhado dos poucos mamíferos, a mudança no farfalhar das folhas quando pisamos fora do caminho.

Pode ser dividida em 4 trechos de aproximadamente 20 a 25min cada:

Início até a pracinha: a trilha começa na bica d’água que fica entre os números 1000 e 1200 da Estrada do Joá. Siga o caminho batido que passa por alguns blocos, deixando, em silêncio para não incomodar os moradores, o muro lateral e dos fundos de uma casa à direita. Siga paralelo, porém não muito próximo ao muro até dar de frente com uma cerca que dá para os fundos de outra casa, onde há uma caixa d’água. Siga à esquerda margeando um bloco até um ponto em que o arame farpado permite a passagem. Atravesse o rio seco e pegue o caminho bem marcado e íngreme margeando-o pela direita, de vez em quando cruzando para a esquerda. Quando a mata ficar bem aberta, a trilha divide-se sutilmente em duas: seguindo reto vai para as vias Mulheres que Dizem Sim e Festa das Bruxas. À direita, haverá fitas e mais acima dois grandes totens (o “altar”) indicando o trecho que segue para a base da Sal da Terra e a Face Leste da Pedra da Gávea.

Do altar até o fim da rua: a partir do altar, siga à direita mantendo a cota, ora subindo e descendo um pouco conforme terreno e vegetação permitam. Atenção pois é fácil sair do caminho mas as fitas são regulares, sempre nas árvores pequenas. Depois de passar por baixo de uma árvore tombada chega-se a uma rua abandonada tomada pela floresta. Siga pelo meio fio direito até um bloco que parece um cubo com uns totens em cima. Logo depois desse cubo, à esquerda, há uma subida que vai para a base da Sal da Terra. Essa é uma possibilidade de chegar à base do C-100 escalando, pois a via termina em um platô, perto da base da via Aquarius, e o C-100 é a próxima via à direita. Nós seguimos caminhando pela rua. Aqui a mata começa a ficar mais fechada, e a trilha começa a cruzar a rua pra lá e pra cá, sobe um pouco e aí começa a descer. Em um ponto a rua vira e desce à direita. Não é por ali, continue reto mais uns metros até que a rua acaba com mato à frente e um rio seco à esquerda.

Do rio seco até a parede: comece a subir pelo rio seco, que vai virando uma grota. Não há sinalização até o ponto em que há um totem acima de um pequeno trepa pedra e uma fita um pouco antes dele, à direita. Siga à direita novamente, mantendo mais ou menos a cota, até chegar a um “mar de raízes”. Nesse ponto, a tendência é sempre subir em uma diagonal para a direita. Você começará a ver a parede, mas não se apresse em subir. Se você encontrar uma fita roxa, atenção: não é por ali. O caminho é um pouco para baixo, contornando a montanha e beirando um barranco para depois seguir novamente à direita até chegar a uma segunda grota. Nessa segunda grota, após subir um pouco, haverá uma corda fixa amarela. Suba com cuidado. Agora você verá a parede mesmo.

Chegando à base: fique de olho para uma fita marcando uma saída da grota à esquerda. Nesse ponto nós nos confundimos um pouco. Da primeira vez, no dia 23, seguimos sempre reto pela grota até ela miar na parede, mas depois tivemos que andar bastante à esquerda até achar a base. Da segunda vez, saímos na fita e perdemos a trilha. Varamos uns 40m de mato subindo em direção à parede fazendo uma diagonal à esquerda até chegar a um pequeno rio seco marcado com totens mais ou menos paralelo à parede. Esse rio seco dá na base da Vapores da Gávea e corta um caminho razoável da trilha que margeia a parede e é ruim de seguir. Continuamos à esquerda por uma trilha uns 4m para dentro e em mais 5m chega-se a um ponto em que a trilha aproxima-se da parede de novo e sobe ligeiramente. Ali é o C-100, dá pra avistar as 2 primeiras chapas, o platô da P1 e as cordas fixas usadas na reforma (que logo mais podem não estar mais lá). Se ainda assim não achar: com os croquis da parede, disponível no Guia de Escaladas da Floresta, fica relativamemte fácil localizar a base do C-100. Primeiro encontre a Vapores da Gávea, marcada pelo grande diedro cego coberto de vegetação à direita e oriente-se a partir dela indo para a esquerda. Se vc chegar no “fim da linha” (onde é possível ver a parada final da Sal da Terra, de que falei anteriormente) volte para a direita. A primeira via será a Aquarius e a próxima a C-100. Olhe os primeiros lances do croqui do Guia da Floresta, ele é bem fidedigno, não tem como errar. Cuidado para não entrar na Aquarius, que tem uma grande horizontal à esquerda no início!

Essa aproximação nós fizemos em 1h30, 1h40 com paradas para descanso e orientação.

 

A escalada

Paradas indicadas conforme o croqui disponível no Guia de Escalada da Floresta, de Flávio Daflon e Delson de Queiroz, 2012.

Até P1: primeiro grampo alto, depois um lance de diedro e um balcão. Após o balcão, passando por cima do cacto, vale colocar um nut assimétrico para melhorar a proteção para o participante. Parada em uma chapa e um grampo de ½ velho.

Até P2: saída bem delicada e esfarelando. Melhor ponto para subir fica uns 3m à esquerda da parada. Segue por um diedro bonito, faça o lance de oposição protegendo com um camalot 0.75, não saia para a direita pois o lance pelo diedro fica lindo. Montou o diedro, verá um grande totem. Lance delicado de aderência polida até a base dele. Faz o totem de frente, nem precisa proteger, mas se quiser tem que ser camalot 3 ou 4.

Até P3: saindo da P2, uns lances mais verticais em abaolados. Horizontal para a esquerda. Ao sair da horizontal, achei melhor a leitura pela esquerda, apesar de mais técnica uma possível queda nesse lado seria menos merda. No croqui está como V, achei uma das passagens mais técnicas da via. A via segue indo para a esquerda, em diagonal, por uma série de agarras que depois viram lances mais em aderência. É um trecho mais exposto. Já no final o esticão vai cruzar a grande “mancha d’água” com uns 6m de largura. Apesar de de longe aparentar sempre estar molhada, na verdade ela ficou preta devido aos minerais trazidos pela água. Estava totalmente seca quando escalamos. Cruzada a mancha, prestar atenção pois após a reforma a linha da via ficou mais paralela à mancha por uma crista em agarras com 2 chapas. A linha original vai mais por fora em uma parada dupla de grampos. Acho que acabei fazendo a P3 mais acima do que o indicado no croqui do Guia da Floresta. Esticão longo e cansativo, mas muito bonito.

Até P4: trecho mais vertical da via, graduado em VI. Apesar de alguns lances serem em stubai, a grampeação é próxima e vc faz os lances mais esportivos com a costura próxima ou até acima. Os lances exigem leitura, não tem fórmula pronta. Cada um da cordada fez de um jeito. A dica é usar pés altos quando possível.

Até P5: lindo esticão com uma enorme fenda sem proteções fixas. A fenda fica no final do esticão. Pulei o grampo na base da fenda para reduzir arrasto. Tem pegas de mão boas mas exige bom posicionamento de pés. Muita atenção ao sair da fenda. Eu achei melhor fazer a fenda até o fim e entrar um pouquinho no mato, tendendo à esquerda. Volte para a pedra e escale mais um pouco na aderência. Ao chegar na parede, entrando em baixo do tetinho, haverá um grampo em um bloco no chão e outro sobre o tetinho. Tocando pra cima é a variante Complicada e Perfeitinha. À esquerda fica a famosa “laca”. Bom ponto para fazer um lanche e pensar na vida. Esse é o “point of no return” da via. Na primeira tentativa, descemos daqui e o rapel foi muito rápido. Perdemos um bom tempo para achar essa parada.

Até P6: provavelmente o esticao que a maioria vai achar mais bonito por conta da grande laca logo no início, seguida de uma série de lances protegidos em móvel. Algumas proteções à prova de bomba, uma meio merda, uma proteção em raiz de bromélia, tudo dentro do esperado. Por aqui termina a via Aquarius, avistamos os grampos.

Daqui pra frente, pelo croqui, são basicamente esticões de 3° com proteção longa e “que ninguém faz”. Vamos lá… primeiro, não subestime a via. Vc vai estar com umas 4h de escalada nas costas e o cansaço físico e mental vai pegar. A luz vai começar a acabar. A parede vai ficar mais suja. Parada no meio do mato. Mas quem vai chegar até aqui pra não fazer cume? Se vc chegou até aqui, é pq vc veio com essa intenção, e certificou-se de que tem preparo para isso. E eu garanto: vai valer a pena. Toca pra cima!

Até P7: saindo da P6 tem uma enorme horizontal à esquerda. Aqui a via vai virando mais para a face sul e o visual é sensacional. A cada passada descortina-se mais um pedaço da praia de São Conrado lá em baixo. Com sorte e o sol alto o suficiente será possível ver a água toda azul turquesa. Pontinhos minúsculos e insignificantes lá em baixo, sim, vc está fazendo a coisa certa da sua vida. Agora volte para a via. Tem um grampo na casa do caralho e depois mato. É lá mesmo, não olha pra baixo e vai. Cuidado com um grampo mais baixo e à direita, está fora da via e não sei o que é, não usei. Toca reto, entra no mato reto, não é uma saidinha pro platô à esquerda. Cuidado, é bem escorregadio, e se cair guiando o voo é longo. Entrando no mato haverá uma grande laca. Contorne-a por cima indo para a esquerda, enfie-se no meio de uns arbustos e aí desça um pouco. Quando o mato abrir-se de novo haverá uma árvore para fazer a P7. Identificável por sutis marcas de paradas anteriores. Trecho de difícil navegação.

Até P8: o maior desafio desse trecho é encontrar a linha da via e os poucos grampos. Cuidado para não se perder.

Até P9: saída costurada em um grampo, faz um pequeno diedro e sai em um lance merda à direita entrando em um platô de mato. Não é a saída para o primeiro degrau de platô à direita, que parece sensata. É a mais acima, que é ruim mesmo.

Até P10: fizemos esse trecho já sem luz. Não é difícil achar os grampos. Parada final com seg de corpo em platô, não achamos o bico de pedra para fazer a P11 que aparece no croqui disponível na Croquiteca do CEC.

Até o cume: siga mais um pouco pelo mato até um amplo platô sob um grande teto. Pode desequipar aí, então siga com cuidado a leve trilha até um grande bloco à esquerda. Escale um trepa pedra solta e mato à direita, e aí começa o vara mato. O “mato brabo” que aparece no croqui de 1982 do Sérgio Poyares e reiterado como REALMENTE brabo pelo Cadu Spencer em um comentário na croquiteca de 2005 não decepcionou. Ele continua brabo! O que aparece no Guia da Floresta como 15min de vara mato até o cume nos tomou 1h30. A ideia é seguir pela diagonal à direita em direção à grotinha que fica entre o colo dos dois cumes e a borda daquela grande laje em que as pessoas ficam tirando foto. Não confundir esse cume secundário com a Cabeça do Imperador, do outro lado da parede. Tem uma trilha que beira a base do paredão, vc pode mirar um pouco à esquerda da grota para economizar um pouco de pele e nervos e sair logo do mato. Subiu a grota, enfim cume!

 

Linha do tempo

09:00 estacionamos em um recuo um pouco antes do n° 1000 da Estrada do Joá

09:10 início da trilha de aproximação

10:50 início da escalada

15:00 P5

18:50 fim da via

19:15 início do vara mato

20:45 cume

21:15 início da descida pela trilha da carrasqueira

00:15 entrada do parque

 

Considerações finais

O Pr. C-100 é uma escalada de parceria. A cordada precisa estar firme no objetivo, revezar sem ficar pensando quem vai fazer o que, precisa escalar rápido. Mas não é impossível. O mato no final é brabo mesmo, o pior vara mato que já enfrentei. Mas chegar ao cume não tem preço. É uma via que não pode ficar esquecida. Com a sinalização do acesso e a nova via na parede, além deste relato, espero que seja repetida mais e mais vezes. Se você repetir a via, não deixe de postar um comentário na Croquiteca.

 

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